domingo, 5 de dezembro de 2010

Sem o moço blues

Quando o moço a deixou, ela percebeu que parafrasear Caio Fernando Abreu podia se tornar uma tarefa muito interessante; que para curar dores de amor, só mesmo feminólogos cafeinados com blogs cor-de-rosa. Ela montou um dossiê sobre romance mais completo que os tais que rolam à torto e à direito lá pela sede do governo federal. Virou expert em amor, exceto pelo fato de ser uma verdadeira anta no quesito. O que nem é um problema tão grande, se nós formos analisar, pois só quem não entende p*rr* nenhuma do assunto pode falar coerentemente sobre. Ou não. Viu só?

Ficou viciada em Blues. Não só o "Sem Ana blues" - constituição federal da sua nova república interior -, mas também o "da piedade". E toda noite pedia piedade pra essa gente careta e covarde que não sabe amar e fica esperando alguém que caiba no seu sonho. "Piedade, Senhor!" Lhes dê grandeza e um pouco de coragem." Pela primeira vez o celular já nem importava mais. Podia muito bem passar dois, três dias perdido embaixo da cama. Não tinha mais mensagens nem ligações às nove da noite, então pra que outra coisa o aparelho serviria?

Quando o moço a deixou, ela percebeu que todo mundo presume que uma criatura de 17 anos já seja um adulto, consiga resolver sozinha seus próprios problemas e já saiba o quer da vida. Ninguém liga se o seu coraçãozinho foi destroçado (com o perdão do exagero) e você resolveu matar aula, não estudar, passar a tarde no banheiro da escola (não que ela tenha feito exatamente isso, mas deixa pra lá...). Desenterrou os sapatos de salto, os brincos de argola, mudou o penteado. Redescobriu o prazer de paquerar sem culpa, de receber elogios e poder retribuir de modo bem "cordial", digamos assim.

Ela se sentiu mais mulher depois do primeiro "pé-na-bunda". Suas teorias foram comprovadas e, munida de extensos exemplos e relatos, já tinha uma vasta gama de situações com as quais ter cautela. E outra coisa: descobriu que só se odeia de verdade quem realmente se ama. O problema é que o ódio nunca dura muito tempo, e aí é preciso reconhecer que o sofrimento é latente e que não tem reza que convença a criatura a continuar odiando o "dito cujo". Teve de concordar com o cronista: só quando se sofre por amor se tem inspiração pra escrever algo que preste. A inspiração era mais contagiante que escola de samba na Marquês de Sapucaí, e ela já se sentia a própria musa de Machado de Assis. Ficava até mesmo ensaiando os tais olhos de ressaca na frente do espelho.

Quando o moço a deixou, ela provou na prática as teorias de Einsten. Duas semanas são duas décadas pra quem tenta desesperadamente se desapaixonar. O tempo nunca fora tão relativo. E o universo, então? Parece que toda uma galáxia tinha resolvido se mudar e instalar-se bem ali, entre os dois, antes mais unidos que um átomo de U-235. Descobriu que histórias iguais às dela existiam aos montes e que as coisa que o moço tinha dito eram mais clichê que brigadeiro em festa de criança. Aqui, leitor, uma pontada de frustração. Quer dizer que além de aguentar a dor do término, ainda tinha de aguentar a falta de originalidade do rompimento? Isso já era demais.

Quis se apaixonar de novo. Não deu certo. O moço se recusava a ir embora. Ficou com raiva, mandou às favas o orgulho, queria mesmo era bater na porta do safado e implorar pra que ele voltasse. Chegou até a subir no ônibus, mas aí percebeu que não lembrava do endereço. Tinha-o memorizado no celular, mas acabara por apagá-lo junto com as mensagens melosas do moço. Fora salva do vexame por um triz. Se bem que "vexame" é verbete que não consta no dicionário de idiotas apaixonados.

Quando o moço a deixou, ela percebeu que Deus é péssimo cartomante, principalmente porque Ele não traz a pessoa amada em três dias. A esta altura as coisas do moço iam se acumulando pelo meio da casa. As coisas que ela - numa volúpia de raiva - tinha mandado para "o diabo que o carregue". Mas como a função do "coisa ruim" é justamente atormentar a vida dos outros, o "tinhoso" se recusou a carregar os ursinhos, florzinhas e cartinhas que ela ainda guardava. Tentou então queimar tudo. Mas quando a primeira gota de álcool caiu no papel manchando a tinta da caneta, debulhou-se em lágrimas. Ê menina que não aprende. Na verdade, quem aprende?

Resolveu esperar o tempo passar, quem sabe esse fosse mesmo o melhor remédio,como todos diziam. Parou para analisar racionalmente os fatos, elencar todas as icógnitas. Icógnita era ela própria, mas isso não vinha ao caso. Deixou-se entregar à essa dorzinha chata que é amor. Parou de lutar, cansou, que com essas coisas não se briga. Reconheceu que amava, amava, amava! O jeito era esperar que o amor fosse embora de mansinho, assim como veio. E se demorasse, paciência. Amar é assim mesmo, machuca,deixa todo mundo querendo canja de galinha, colo de mãe e chocolate quente. Entretanto, convenhamos, tem machucado melhor que este?

Nenhum comentário:

Postar um comentário